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Fernando Pessoa

Fernando Pessoa (1888-1935) foi um dos mais importantes poetas em língua portuguesa, a figura central do Modernismo português

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Uma névoa de Outono o ar raro vela, (5-11-1932) Uma névoa de Outono o ar raro vela, Cores de meia-cor pairam no céu. O que indistintamente se revela, Árvores, casas, montes, nada é meu. Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono. Sim, sinto-o eu pelo coração, o como. Mas entre mim e ver há um grande sono. De sentir é só a janela a que eu assomo. Amanhã, se estiver um dia igual, Mas se for outro, porque é amanhã, Terei outra verdade, universal, E será como esta [...]

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Quando estou só reconheço Quando estou só reconheço Se por momentos me esqueço Que existo entre outros que são Como eu sós, salvo que estão Alheados desde o começo. E se sinto quanto estou Verdadeiramente só, Sinto-me livre mas triste. Vou livre para onde vou, Mas onde vou nada existe. Creio contudo que a vida Devidamente entendida É toda assim, toda assim. Por isso passo por mim Como por cousa esquecida.

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Num meio-dia de fim de Primavera Tive um sonho como uma fotografia. Vi Jesus Cristo descer à terra. Veio pela encosta de um monte Tornado outra vez menino, A correr e a rolar-se pela erva E a arrancar flores para as deitar fora E a rir de modo a ouvir-se de longe. Tinha fugido do céu. Era nosso demais para fingir De segunda pessoa da Trindade. No céu era tudo falso, tudo em desacordo Com flores e árvores e pedras. No céu tinha que estar sempre sério E de vez em quando de se tornar outra vez homem E subir para a cruz, e estar sempre a morrer Com uma coroa toda à roda de espinhos E os pés espetados por um prego com cabeça, E até com um trapo a roda da cintura Como os pretos nas ilustrações. Nem sequer o deixavam ter pai e mãe Como as outras crianças. O seu pai era duas pessoas - Um velho chamado José, que era carpinteiro, E que não era pai dele; E o outro pai era uma pomba estúpida, A única pomba feia do mundo Porque não era do mundo nem era pomba. E a sua mãe não tinha amado antes de o ter. Não era mulher: era uma mala Em que ele tinha vindo do céu. E queriam que ele, que só nascera da mãe, E nunca tivera pai para amar com respeito, Pregasse a bondade e a justiça! Um dia que Deus estava a dormir E o Espírito Santo andava a voar, Ele foi à caixa dos milagres e roubou três. Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido. Com o segundo criou-se eternamente humano e menino. Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz E deixou-o pregado na cruz que há no céu E serve de modelo às outras. Depois fugiu para o Sol E desceu pelo primeiro raio que apanhou. Hoje vive na minha aldeia comigo. É uma criança bonita de riso e natural. Limpa o nariz ao braço direito, Chapinha nas poças de água, Colhe as flores e gosta delas e esquece-as. Atira pedras aos burros, Rouba a fruta dos pomares E foge a chorar e a gritar dos cães. E, porque sabe que elas não gostam E que toda a gente acha graça, Corre atrás das raparigas Que vão em ranchos pelas estradas Com as bilhas às cabeças E levanta-lhes as saias. A mim ensinou-me tudo. Ensinou-me a olhar para as coisas. Aponta-me todas as coisas que há nas flores. Mostra-me como as pedras são engraçadas Quando a gente as tem na mão E olha devagar para elas. E depois, cansado, O Menino Jesus adormece nos meus braços E eu levo-o ao colo para casa. Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro. Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava. Ele é o humano que é natural, Ele é o divino que sorri e que brinca. E por isso é que eu sei com toda a certeza Que ele é o Menino Jesus verdadeiro...

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Não tenho ambições nem desejos. ser poeta não é uma ambição minha. É a minha maneira de estar sozinho. Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz E corre um silêncio pela erva fora. Porque quem ama nunca sabe o que ama Nem sabe porque ama, nem sabe o que é amar... Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver do Universo... Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer, Porque eu sou do tamanho do que vejo E não do tamanho da minha altura... A mim ensinou-me tudo. Ensinou-me a olhar para as coisas. Aponta-me todas as coisas que há nas flores. Mostra-me como as pedras são engraçadas Quando a gente as tem na mão E olha devagar para elas.

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A tua voz fala amorosa... Tão meiga fala que me esquece Que é falsa a sua branda prosa. Meu coração desentristece. Sim, como a música sugere O que na música não stá, Meu coração nada mais quer Que a melodia que em ti há... Amar-me? Quem o crera? Fala Na mesma voz que nada diz Se és uma música que embala. Eu ouço, ignoro, e sou feliz. Nem há felicidade falsa, Enquanto dura é verdadeira. Que importa o que a verdade exalça Se sou feliz desta maneira? "

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Eros e Psique ...E assim vêdes, meu Irmão, que as verdades que vos foram dadas no Grau de Neófito, e aquelas que vos foram dadas no Grau de Adepto Menor, são, ainda que opostas, a mesma verdade. (Do Ritual Do Grau De Mestre Do Átrio Na Ordem Templária De Portugal) Conta a lenda que dormia Uma Princesa encantada A quem só despertaria Um Infante, que viria De além do muro da estrada. Ele tinha que, tentado, Vencer o mal e o bem, Antes que, já libertado, Deixasse o caminho errado Por o que à Princesa vem. A Princesa Adormecida, Se espera, dormindo espera, Sonha em morte a sua vida, E orna-lhe a fronte esquecida, Verde, uma grinalda de hera. Longe o Infante, esforçado, Sem saber que intuito tem, Rompe o caminho fadado, Ele dela é ignorado, Ela para ele é ninguém. Mas cada um cumpre o Destino Ela dormindo encantada, Ele buscando-a sem tino Pelo processo divino Que faz existir a estrada. E, se bem que seja obscuro Tudo pela estrada fora, E falso, ele vem seguro, E vencendo estrada e muro, Chega onde em sono ela mora, E, inda tonto do que houvera, À cabeça, em maresia, Ergue a mão, e encontra hera, E vê que ele mesmo era A Princesa que dormia.

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Como nuvens pelo céu Passam os sonhos por mim. Nenhum dos sonhos é meu Embora eu os sonhe assim. São coisas no alto que são Enquanto a vista as conhece, Depois são sombras que vão Pelo campo que arrefece. Símbolos? Sonhos? Quem torna Meu coração ao que foi? Que dor de mim me transtorna? Que coisa inútil me dói?

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Minha dor é velha Como um frasco de essência cheio de pó. Minha dor é inútil Como uma gaiola numa terra onde não há aves, E minha dor é silenciosa e triste Como a parte da praia onde o mar não chega. Chego às janelas Dos palácios arruinados E cismo de dentro para fora Para me consolar do presente. Dá-me rosas, rosas, E lírios também...

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