Fernando Pessoa
Fernando Pessoa (1888-1935) foi um dos mais importantes poetas em língua portuguesa, a figura central do Modernismo português
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Autor - Fernando Pessoa
Pensar em Deus é desobedecer a Deus, Porque Deus quis que o não conhecêssemos, Por isso se nos não mostrou... Sejamos simples e calmos, Como os regatos e as árvores, E Deus amar-nos-á fazendo de nós Belos como as árvores e os regatos, E dar-nos-á verdor na sua primavera, E um rio aonde ir ter quando acabemos!...
Autor - Fernando Pessoa
Foi um Momento Foi um momento O em que pousaste Sobre o meu braço, Num movimento Mais de cansaço Que pensamento, A tua mão E a retiraste. Senti ou não ? Não sei. Mas lembro E sinto ainda Qualquer memória Fixa e corpórea Onde pousaste A mão que teve Qualquer sentido Incompreendido. Mas tão de leve!... Tudo isto é nada, Mas numa estrada Como é a vida Há muita coisa Incompreendida... Sei eu se quando A tua mão Senti pousando Sobre o meu braço, E um pouco, um pouco, No coração, Não houve um ritmo Novo no espaço? Como se tu, Sem o querer, Em mim tocasses Para dizer Qualquer mistério, Súbito e etéreo, Que nem soubesses Que tinha ser. Assim a brisa Nos ramos diz Sem o saber Uma imprecisa Coisa feliz.
Autor - Fernando Pessoa
Cai chuva. É noite. Uma pequena brisa Cai chuva. É noite. Uma pequena brisa, Substitui o calor. P'ra ser feliz tanta coisa é precisa. Este luzir é melhor. O que é a vida? O espaço é alguém pra mim. Sonhando sou eu só. A luzir, em quem não tem fim E, sem querer, tem dó. Extensa, leve, inútil passageira, Ao roçar por mim traz Uma ilusão de sonho, em cuja esteira A minha vida jaz. Barco indelével pelo espaço da alma, Luz da candeia além Da eterna ausência da ansiada calma, Final do inútil bem. Que, se quer, e, se veio, se desconhece Que, se for, seria O tédio de o haver... E a chuva cresce Na noite agora fria.
Autor - Fernando Pessoa
Porque é que um sono agita Em vez de repousar O que em minha alma habita E a faz não descansar? Que externa sonolência, Que absurda confusão, Me oprime sem violência Me faz ver sem visão? Entre o que vivo e a vida, Entre quem estou e sou, Durmo numa descida, Descida em que não vou. E, num infiel regresso Ao que já era bruma, Sonolento me apresso Para coisa nenhuma.
Autor - Fernando Pessoa
Ilusão Perdida Florida ilusão que em mim deixaste a lentidão duma inquietude vibrando em meu sentir tu juntaste todos os sonhos da minha juventude. Depois dum amargor tu afastaste-te, e a princípio não percebi. Tu partiras tal como chegaste uma tarde para alentar meu coração mergulhado na profundidade dum desencanto. Depois perfumaste-te com meu pranto, fiz-te doçura do meu coração, agora tens aridez de nó, um novo desencanto, árvore nua que amanhã se tornará germinação.
Autor - Fernando Pessoa
VIAJAR! PERDER PAÍSES! Viajar! Perder países! Ser outro constantemente, Por a alma não ter raízes De viver de ver somente! Não pertencer nem a mim! Ir em frente, ir a seguir A ausência de ter um fim, E a ânsia de o conseguir! Viajar assim é viagem. Mas faço-o sem ter de meu Mais que o sonho da passagem. O resto é só terra e céu.
Autor - Fernando Pessoa
Atravessa esta paisagem o meu sonho dum porto infinito E a cor das flores é transparente de as velas de grandes navios Que largam do cais arrastando nas águas por sombra Os vultos ao sol daquelas árvores antigas… O porto que sonho é sombrio e pálido E esta paisagem é cheia de sol deste lado… Mas no meu espírito o sol deste dia é porto sombrio E os navios que saem do porto são estas árvores ao sol… Liberto em duplo, abandonei-me da paisagem abaixo… O vulto do cais é a estrada nítida e calma Que se levanta e se ergue como um muro, E os navios passam por dentro dos troncos das árvores Com uma horizontalidade vertical, E deixam cair amarras na água pelas folhas uma a uma dentro… Não sei quem me sonho… Súbito toda a água do mar do porto é transparente E vejo no fundo, como uma estampa enorme que lá estivesse desdobrada, Esta paisagem toda, renque de árvore, estrada a arder em aquele porto, E a sombra duma nau mais antiga que o porto que passa Entre o meu sonho do porto e o meu ver esta paisagem E chega ao pé de mim, e entra por mim dentro, E passa para o outro lado da minha alma…
Autor - Fernando Pessoa
A Lua (dizem os ingleses), É feita de queijo verde. Por mais que pense mil vezes Sempre uma idéia se perde. E era essa, era, era essa, Que haveria de salvar Minha alma da dor da pressa De... não sei se é desejar. Sim, todos os meus desejos São de estar sentir pensando... A Lua (dizem os ingleses) É azul de quando em quando.