Clarice Lispector
Clarice Lispector (1920-1977) foi uma escritora brasileira. De origem judia, nascida na Ucrânia, é reconhecida como uma das mais importantes escritoras do século XX.
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Autor - Clarice Lispector
A mágoa Os telhados sujos a sobrevoar Arrastas no vôo a asa partida Acima da igreja as ondas do sino Te rejeitam ofegante na areia O abraço não podes mais suportar Amor estreita asa doente Sais gritando pelos ares em horror Sangue escoa pelos chaminés. Foge foge para o espanto da solidão Pousa na rocha Estende o ser ferido que em teu corpo se aninhou, Tua asa mais inocente foi atingida Mas a Cidade te fascina. Insiste lúgubre em brancura Carregando o que se tornou mais precioso. Voas sobre os tetos em ronda de urubu Asa pesa pálida na noite descida Em pálido pavor Sobrevoas persistente a Cidade Fortificada escurecida Capela ponte cemitério loja fechada Parque morto floresta adormecida, Folha de jornal voa em rua esquecida. Que silêncio na torre quadrada. Espreitas a fortaleza inalcançada. Não desças Não finjas que não dói mais Inútil negar asa partida. Arcanjo abatido, não tens onde pousar. Foge, assombro, inda é tempo, Desdobra em esforço a sua medida Mergulha tua asa no ar.
Autor - Clarice Lispector
Descobri o meu país Subi a montanha e no seu topo os anjos me cercaram e me engrinaldaram a fronte com as flores do céu. Asas zumbiam em harmonias fragílimas e vozes de arcanjos louvavam a paz. Derramaram sobre meu corpo sete bálsamos purificadores e fizeram-me beber ambrosia e mel. Banharam-me no rio da música e eu saí ingênua como o canto de uma criança. E depois surgiram novos anjos e não havia noite e não havia dia. E a ambrosia e o néctar deslizavam com fartura celestial. E novas canções se entoaram sempre em louvor a Deus. E não havia noite e não havia dia. E aos poucos cresceu dentro de mim o desespero e eu busquei em vão os olhos celestiais. Eles nada diziam e cantavam a paz. E aos poucos uma nostalgia me enlanguesceu e eu era o arco distendido sem a flecha e eu buscava o ar sem respirar. Um anjo me interrogou: mais néctar? Eu gritei: quero cheiro da terra! E o anjo me perdoou E eu cansei de ser perdoada, eu queria sofrer. E não havia noite e não havia... Quebrei minhas asas, desci a montanha e vivi na Terra! Homens amavam e cansavam do amor. Homens bebiam sangue e descobriam que não desejavam brigar Entoavam-se cânticos místicos onde só havia a insatisfação. E depois homens morriam e todos sabiam que era o fim. Nem a terra, nem o céu! Fechei-me num quarto, inventei outro Deus, outro céu, outra terra e outros homens.
Autor - Clarice Lispector
Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato... Ou toca, ou não toca.
Autor - Clarice Lispector
Olhe, tenho uma alma muito prolixa e uso poucas palavras. Sou irritável e firo facilmente. Também sou muito calmo e perdoo logo. Não esqueço nunca. Mas há poucas coisas de que eu me lembre.
Autor - Clarice Lispector
Que minha solidão me sirva de companhia. que eu tenha a coragem de me enfrentar. que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo.
Autor - Clarice Lispector
Quando fazemos tudo para que nos amem... e não conseguimos, resta-nos um último recurso, não fazer mais nada. Por isto digo, quando não obtivermos o amor, o afeto ou a ternura que havíamos solicitado... melhor será desistirmos e procurar mais adiante os sentimentos que nos negaram. Não façamos esforços inúteis, pois o amor nasce ou não espontaneamente, mas nunca por força de imposição. Às vezes é inútil esforçar-se demais... nada se consegue; outras vezes, nada damos e o amor se rende a nossos pés. Os sentimentos são sempre uma surpresa. Nunca foram uma caridade mendigada, uma compaixão ou um favor concedido. Quase sempre amamos a quem nos ama mal, e desprezamos quem melhor nos quer. Assim, repito, quando tivermos feito tudo para conseguir um amor, e falhado, resta-nos um só caminho... o de nada mais fazer.
Autor - Clarice Lispector
Uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora de minha própria vida. Foi o apesar de que parei na rua e fiquei olhando para você enquanto você esperava um táxi. E desde logo desejando você, esse teu corpo que nem sequer é bonito, mas é o corpo que eu quero. Mas quero inteira, com a alma também. Por isso, não faz mal que você não venha, esperarei quanto tempo for preciso.
Autor - Clarice Lispector
Acho que devemos fazer coisa proibida – senão sufocamos. Mas sem sentimento de culpa e sim como aviso de que somos livres.